Onde está Organismo?
Nelson Vaz
14 DE ABRIL DE 2011
“Onde está Organismo?” é um pequeno livro da editora-UFSC, Florianópolis, que reune transcritos de palestras de um simpósio realizado na UFSC, em 2006. Editado por Gustavo Ramos (UFSC), tem como autores além de Gustavo Ramos: João Francisco Botelho (UFSC), Jorge Mpodozis (Universidad de Chile, Santiago) e Nelson Vaz (UFMG). O livro estará disponível nas livrarias em abril de 2011.
Onde está Organismo?
DERIVAS E OUTRAS HISTÓRIAS NA BIOLOGIA E IMUNOLOGIA.
APRESENTAÇAO (NELSON VAZ)
PREFÁCIO. AS PERGUNTAS ANTES DAS RESPOSTAS. (GUSTAVO RAMOS)
- ONDE ESTÁ O ORGANISMO?
1.a. “A EQUAÇÃO FUNDAMENTAL DA BIOLOGIA”. (JORGE MPODOZIS)
1.b. “ONTOGENIA”. (JORGE MPODOZIS)
- c. “A DERIVA NATURAL DOS SISTEMAS DE DESENVOLVIMENTO” (JOÃO FRANCISCO BOTELHO)
1.d. “FILOGENIA”. (JORGE MPODOZIS)
- UM SISTEMA IMUNOLÓGICO, AFINAL
2.a. “O NÓ GÓRDIO ENTRE BIOLOGIA E IMUNOLOGIA” (GUSTAVO CAMPOS RAMOS)
2.b. “Inflamação como um fenômeno do desenvolvimento animal” (GUSTAVO RAMOS)
2.c. “UMA BREVE HISTÓRIA DAS CERTEZAS IMUNOLÓGICAS” (NELSON VAZ)
2.d. “ A FISIOLOGIA CONSERVADORA DO SISTEMA IMUNOLÓGICO” (NELSON VAZ)
2.e. “IMUNOPATOGÊNESE POR DESCONEXÃO”. (NELSON VAZ, ICB/ UFMG)
POSFÁCIO – O MODO DE OUVIR. (JORGE MPODOZIS)
Derivas
O livro trata a Biologia e a Imunologia com base na Deriva Natural (Maturana and Mpodozis, 2000)
um conceito que substitui à idéia de evolução biológica baseada na Seleção Natural (o neo-Darwinismo), uma das idéias mais poderosas dos tempos modernos.
Desde que publiquei o “Guia Incompleto de Imunobiologia” (Vaz e Faria, 1993)
, outro pequeno livro cuja edição se esgotou rapidamente, perguntam porque não fiz uma re-edição. Senti que não valeria fazer isto sem a companhia de outros textos que legitimassem outra revolução, mais ampla, na Biologia. Porqu, como afirma Gustavo Ramos neste segundolivro, há um nó Górdio entre a maneira de ver a Imunologia e o neodarwinismo. Desde os anos 1960,a Imunologia está baseada no conceito de seleção clonal, primo-irmão da seleção natural.
A Seleção Natural, como outros processos considerados “seletivos”, na realidade é a conjugação de dois processos, ou um processo em duas fases. Na primeira fase, uma ampla gama de variantes deve ser gerada ao acaso; na segunda fase, estes variantes competem entre si para o desempenho de uma dada função e são “selecionados” os variantes “mais aptos”. A geração dos variantes deve ser aleatória para validar o processo de “seleção” como o real construtor do processo; se fatores não-aleatórios governarem o que se passa, seriam estes fatores e não a “seleção” o motor do que se passa. Segundo o neo-Darwinismo, entre as fontes aleatórias de variantes na origem das espécies de seres vivos estão a reprodução sexual, as mutações e recombinações do DNA.
Na deriva natural, a noção de acaso, necessária aos processos seletivos, é substituída pela noção de história, definida como uma sequência de mudanças estruturais. Maturana diz que:
“Os sistemas vivos são sistemas históricos, existem como entidades singulares em um fluxo contínuo de mudanças estruturais em torno da conservação de sua auto-construção/manutenção (sua autopoiese) e da conservação de sua congruência com as circunstâncias do meio em que vivem (sua adaptação). Não é a mudança que torna a evolução biológica um processo histórico: é a conservação (ontogenética e filogenética) da autopoiese e da adaptação, como aquilo em torno do qual, todo o resto pode variar. Nessas circunstâncias, o que é primariamente conservado na história dos sistemas vivos é o viver.”
A “orelha” do nosso novo livro cita Jorge Mpodozis, ao dizer:
“Há plasticidade nos modos de desenvolver. Os caminhos do desenvolvimento têm plasticidade em todos os momentos, e isso é o que permite essa maravilhosa diversidade de linhagens de seres vivos. Mas o problema não é o que é plástico, e sim o que se conserva. Se a mudança é uma condição constitutiva do viver, então, como se conserva aquilo que se conserva?”
Como se conserva aquilo que se conserva? Nesta outra maneira de ver, na qual a adaptação é invariante, as perguntas fundamentais estão dirigidas aos processos que determinam as direções que seguem a mudança e a conservação das características biológicas. Como é mantido aquilo que se conserva naquilo que muda; uma visão do viver como um processo epigenético, no qual o presente não contém o futuro e que se passa no presente não foi determinado no passado, mas sim, é decidido a cada instante.
Aquilo que a imunologia tradicional considera seu objeto de estudo – as reações defensivas, como a formação de anticorpos – não é aquilo que é primariamente conservado pelo organismo. Estas reações consideradas defensivas são parte da conservação da construção/manutenção do organismo (sua autopoiese) e da conservação de sua congruência com as circunstâncias do meio (sua adaptação). Nestes termos, um dos aspectos mais importantes da imunologia atual, por exemplo, é a caracterização da constância de padrões de reatividade nas imunoglobulinas naturais e em linfócitos T naturalmente ativados,problemas que raramente são percebidos como importantes (Nóbrega et al., 2002; Madi et al., 2011)
UM SISTEMA IMUNOLÓGICO, AFINAL
Em nosso novo livro, “Onde Está o Organismo?” descrevo a atividade imunológica como uma deriva natural. A imunologia nasceu junto com a bacteriologia médica, no trabalho de Pasteur, Koch e vários outros cientistas, na segunda metade do século XIX. Nasceu inspirada pela Teoria dos Germes, na suposição de que o contágio com germes específicos é o que causa as doenças infecciosas e que a proteção contra as mesmas seria conseguida com vacinas
.
Nasceu também embebida na contradição gerada por nossa dupla natureza de organismo/pessoa, que confere atributos de pessoa (antropomorfiza) ao nosso corpo, como se uma intencionalidade defensiva pudesse fazer parte da ação de células e moléculas. Esta intencionalidade defensiva marcou a criação dos termos imunológicos, pois não há outra maneira de entender o sentido do termo “anticorpos”. Estes conceitos fundadores, antropomorfizantes, que contêm este duplo equívoco, continuam centrais e atuantes na imunologia do século XXI.
As doenças infecciosas não são explicáveis meramente pelo contágio. A grande maioria dos organismos infectados se comporta como “portadores sãos” de milhares de bactérias; grande parte do DNA de cada organismo está enxertado com DNA viral; um terço de todos os sers vivos existe como “parasita”. As doenças infecciosas são “acidentes de percurso” na convivência do organismo com uma imensa variedade de bactérias, vírus e parasitas multicelulares.
A “defesa” do corpo é um resultado de processos de construção/manutenção do organismo, não é um mecanismo defensivo, não é uma parte especial que se destaca deste viver; surge assim apenas em nossas observações tradicionais. O viver de organismos metazoários, como o nosso, envolve o convívio em harmonia com bactérias, vírus e parasitas, além do contato diário com centenas de proteínas de alimentos e com materiais diversos derivados da flora intestinal, contra os quais não “nos defendemos” como proposto na imunologia tradicional e está implícito na noção de “vacinas”.
Um entendimento adequado da biologia de linfócitos e outras células envolvidas na atividade imunológica, precisa evitar estes dois equívocos. Precisa abandonar:
- a) a idéia de uma defesa intencional: e
- b) a confusão do que fazemos (como pessoas) com aquilo que nosso corpo faz (seu viver).
Esta mudança não é fácil. Abrir mão desta maneira de ver esbarra na necessidade de substituí-la por uma outra maneira de ver, que preencha o vácuo criado pelo abandono de crenças seculares. Isto não ocorrerá da noite para o dia. Há o medo de buscar um conhecimento alternativo que parece não existir. Há muito menos pesquisa sobre “portadores sãos” do que sobre as doenças infecciosas. Somos todos expostos a materiais (alergenos) capazes de gerar doenças alérgicas, mas apenas alguns de nós se tornam “alérgicos”. Todos nós possuímos também linfócitos T ativados que reagem com peptídeos autólogos, além de imunoglobulinas que se comportam como “auto-anticorpos”, mas apenas alguns de nós são acometidos por “doenças autoimunes”. A saúde imunológica é a regra, mas todos os esforços se concentram em explicar as doenças, as exceções a esta regra de que a saúde é mais comum.
Isto ocorre porque atentamos mais para as mudanças que para a constância. Os objetos e os fenômenos que encontramos em nosso viver diário são de uma constância ilusória que oculta o turbilhão de mudanças que os constitui. Nossa realidade é construída com objetos estáveis e eventos previsíveis, portanto, as mudanças são o que nos preocupa e aquilo que preenche o noticiário do dia-a-dia. Com a imunologia não poderia ser diferente: a imunologia está interessada em mudanças da produção de imunoglobulinas, isto é , na formação de anticorpos
. Nesta maneira de ver, a estabilidade (a constância) das imunogloblinas que compõem os processos do viver cotidiano, é de importância secundária, ou sequer chega a ser imaginada.
Paradoxalmente, ao falar de mudança, falamos sempre de algo que se conserva, algo que assumiu uma nova forma, uma nova dinâmica. Ao valorizar a mudança e a inovação, nossa cultura está menos atenta para aquilo que se conserva. Mas só podemos falar da variação de algo que, até então, permanecia. É impossível descrever a história de eventos ao acaso A história e o acaso são incompatíveis, porque o que se passa não se passa ao acaso, mas sim como uma deriva.
Porque mudar?
A imunologia está em crise. É possível que, até mesmo para a maioria dos imunologistas profissionais, não se aperceba disso. Mas há uma flagrante defasagem entre o imenso aumento no conhecimento sobre componentes e mecanismos celulares e moleculares na imunologia experimental, e a tradução deste conhecimento em resultados práticos (clínicos,laboratoriais), no diagnóstico, prevenção e tratamento de doenças. No mínimo, poderia ser dito que esta tradução é demasiadamente lenta. Isto não significa que não ocorram exceções a esta regra e que, aqui e ali, sucessos notáveis sejam obtidos. Muitos afirmam que um grande progresso é iminente.
Mas a imunologia não sabe inventar novas vacinas anti-infecciosas. Bilhões de dólares e euros foram empregados sem sucesso na pesquisa de vacinas para o HIV, ou para a malária, ou mesmo para epidemias de influenza. Não existe tratamento eficaz para as doenças alérgicas, como a asma brônquica. Não existem sequer métodos efetivos de diagnóstico de doenças autoimunes. A miastenia gravis, por exemplo, é diagnosticada pela presença de anticorpos contra o receptor nicotínico da acetilcolina; mas quando estes anticorpos são induzidos em diversas linhagens de camundongos, por imunização com o receptor de acetilcolina, não há correlação entre a formação dos anticorpos e os sintomas de miastenia. O progresso na realização de transplantes de órgãos e tecidos foi devido ao desenvolvimento de agentes imuno-supressivos mais seguros e eficazes, não a uma compreensão do que se passa imunologicamente; no transplante de medula óssea, ainda não se sabe como prevenir a reações transplante-contra-hospedeiro, frequentemente fatais.
A descrição da atividade imunológica como uma deriva natural e a definição do sistema imune como uma rede fechada de interação entre linfócitos e de linfócitos com o organismo, que é o “meio” onde este sistema opera, não se resume a descrever sua fisiologia. Prevê também situações nas quais a atividade dfe linfócitos se torna patogênica. Em termos ultra-sumários, assim como o sistema imune é visto como um conjunto de relações entre linfócitos, a patogênese imunológica fosse um desconjuntamento, uma perda de conexões nesse conjunto, que permite que clones se expandam independentemente dos demais e resultem em populações linfocitárias com um grau sub-ótimo de diversidade clonal, isto é, expansões oligoclonais – uma imunopatogênse por desconexão, como descrevo em nosso livro.
A idéia de expansões oligoclonais como fonte de imunopatologia pode sugerir explicações que são como um denominador comum para doenças infecciosas, alérgicas e autoimunes. Além disso, permite entender um mecanismo de funcionamento das vacinas anti-infecciosas baseado na diversidade clonal, em vez de estar baseado na “memória”imunológica, como atualmente se entende, e assim sugerir abordagens alternativas à pesquisa sobre novas vacinas (Vaz et al., 2006; Vaz, 2009; Vaz e Carvalho, 2009; Pordeus et al, 2008; 2009)
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3 comentários:
- Daniel MucidaApr 14, 2011 03:22 PM
- Quero na Amazon!
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- RodrigoApr 14, 2011 04:46 PM
- A abordagem é interessantíssima. Sinto flta deste tipo de leitura na nossa área. Também já estou na fila pelo livro.
- Responder
- AnônimoOct 27, 2011 01:06 PM
- Este livro tem na Estante Virtual
- http://www.estantevirtual.com.br
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