Coleção Poesia Orbital – Org. Adriana Versiani et al.
Belo Horizonte (1997) – Associação Cuttural Pandora
LADO ALADO
Nelson Vaz
CRENÇA
Você não existe
Mas eu acredito
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Você recomeça
Você não existe, repito
ao fantasma
em que acredito
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Não se iluda:
o passado muda
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Não esqueci
mas coisas caíram lá no fundo
como latas
rolando escada abaixo
Posso parar,
Paro.
Mas a escada não tem fim;
A escada
Desce dentro de mim
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FOTOGRAFIA
Não importa
se a luz tece redes
e a planta resiste
e cresce, inverossímil
na duna;
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exceto
se você pousa
o coração na areia,
olho de vidro
encantado, aceso.
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FUTURO
Nas cidades sem calçadas
Como serao as crianças –
aladas?
E das praças sitiadas
Como serao as entradas –
camufladas?
Ainda é tarde e o olho arde.
Ainda é cedo e játenho medo.
4 da tarde, estou só aqui
Garre St. Lazare.
Aí é meio-dia, mas de que dia?
Já me perdi. São 4 da tarde?
Talvez seja cedo, tenho medo
E esperar por um trem que não vem.
Ao chegar, dentro do jato enorme
Que não dorme,
Vi aterra quadriculada em verde
Já no chão, vi os melros
Para eles, o qeroporto é um gramado
Ventava.
Passporte control.
Merde alors.
Somos rios vermelhos e secretos
Confluências
Máquinas de misturar lembranças
Ilusões de simetria
Quase
como Deus queria
Folha sobre folha, sobre o chão.
Espera ou continuação?
Na varanda, meninos
Na geladeira, pepinos
Patas de frsango, morango
Restos de canja, mamão e laranja.
Ah
Esta ilusão
Ela diz: hoje não.
Eu traduzo: amanhã, talvez
Um dia, com certeza
Que belaza!
Ah!
FILET MIGNON
na madrugada, o gado
cada animal um sonho perfeito
desfeito
a pancada, o corte.
O FOGO
inquieto, espero para olhar
teu olhar
ver nele o mesmo incêndio noturno
a dança de brasas flutuantes
temo
que o fogo falhe (fátuo)
e não se espalhe
espoucando pelo bambuzal.
E seja tudo, novamente,
natural.
Meu quarto
de lua
e sombra
mnha varanda voadora
Pousada
numa praia do passado
NARCISO
ESPELHO / IDEIA
ATOR / PLATEIA
NUA
como se a mão
que amassa o pão
e ergue o vinho
incontida
erguesse também o linho
do vestido
PARTIDA
Ah, essa presença partida!
Que parte eu não entenderia?
Que partida eu perderia?
Decerto, não duraria.
Mas quanto tempo é pouco tempo?
Onde ficar
quando a vida é repartida?
(a Mauricio)
Ao despertar, o espanto
o mundio girando
e a esperteza das coisas
(ao Háj)
Quem não for poeta
Que levanter a mão.
A mão fraca ensina a mão forte.
Começo pelo meio
Termino incompleto
Minha casa já não é meu teto
me perdi no luar
que brilha às minhas costas
onde não tenho olhos.
A vidraça
A reter insetos tão antigos.
Em que simetria apoiar a solidão?
palavra sem plural.
Qualquer coisa
Seria mais simples.
Sinto
Como que um cheiro
Nem novo, nem velho
Um calor, um cansaço
Que é mesmo o que faço?
CUSTO DE VIDA
TUDO TEM SEU PREÇO
SE ME LEMBRO
SE ME ESQUEÇO
SE MUDO DE ENEDEREÇO
OU SE MUDO, PERMANEÇO
É o máximo:
Ser compreendido pela metade
Por alguns, de vez em quando.
Tudo assim
Um pouco demais
Faltando pouco para acontecer
outra coisa
FONTEIRAS
Fomos um dia uma coisa só, um eu
E não mais.
O nada não havia.
Eu também não era eu.
Eu me fiz quando você se fez.
Quando saber meu fim
e seu começo
foi a escolha
entre ser eu e não ser nada.
Vida vã
Vão em volta do castelo
Papéis
jogos de azar
Cortes, cicatrizes
Estalar os dedos
Se estalasse os dedos, num piscar de olhos, tudo mudaria – ele dissera. Mas mudaria? Só isso, e pronto? Como os gênios das garrafas, quem viria? De onde sairia a nau para Valparaíso, onde veria pelicanos vira-latas? Quando a visita ao Museu de máscaras, em Zacatecas e aos cactos gigantes do deserto de Sonora e a laguna onde as baleias ensinam os filhotes a nadar. Quando a levaria ao lugar mais bonito do mundo, com as três montanhas iguais junto do mar verde-azul? E o encantamento – quanto duraria? Quanto tempo é pouco tempo? E se o tempo parasse? E se para traz ele andasse, de tal forma que tudo se passasse novamente, mas de forma diferente? Como dominar o medo de voar, ou de não acordar mais?
Devagar, baixou os olhos do espelho, lavou a escova e fechou o armário do banheiro.
Poema bom não acaba.
Tire um verso
nao desaba
ponha três mais
– não se desfaz
deixe como está
– continua,
a mudar
dizer
sua coisa
secreta
púdica
lúdica
dica