As três vertentes
A orientação geral do site ” Imunontologia” se apoia em um tripé de conceitos descritos nas seções ” O Conhecer ” (Biologia do Conhecer e da Linguagem”, “O Assimilar” e ” O Inesperável“
O Conhecer
O termo “autopoiese”, foi introduzido na Biologia pelo neurobiólogo chileno Humberto Maturana nos anos 1960-1970 em uma teoria sobre “o conhecer” e sobre o “viver na linguagem” que é característico dos seres humanos.
- Maturana – 2007
- ser vivo e meio
Figura 1. Humberto Maturana, Santiago, Chile, 2007; e o ser vivo em seu meio, o ícone da autopoiese.
Embora central na teoria de Maturana, o termo “autopoiese”, que significa auto-criação e auto- manutenção, por si só, não adiciona muito ao que já sabemos: os seres vivos estão entregues a si próprios, são entidades autônomas. O termo adquire um significado muito importante quando inserido na teoria cuja denominação mais adequada é “Biologia do Conhecer e da Linguagem”, que tem como ícone a seta circular, que representa um ser vivo, unida a seu meio (uma onda) por um par de setas. Nosso trabalho faz uma associação entre esta teoria e a Imunologia. Um primeiro aspecto de nosso trabalho é introduzir o leitor às ideias de Humberto Maturana sobre a “Biologia do Conhecer e da Linguagem”
- O Assimilar
A imunologia que pratico desde o final dos anos 1970 tem muito pouco a ver com a ideia de “imunidade” (anti-infecciosa), que é a maneira usual de entender a atividade imunológica. Ao final dos anos 1970, constatamos que os animais diminuem muito a quantidade de anticorpos quando imunizados (injetados) com proteínas (antígenos) que ingeriram antes como alimento. Dos anos 1970 para cá, este fenômeno foi muito estudado e é hoje conhecido como “tolerância oral”. Este termo não representa bem o que vejo neste fenômeno, que me parece mais como um “assimilar” , a incorporação de materiais do meio, como proteínas dos alimentos de produtos da microbiota nativa à dinâmica do organismo. Em nosso laboratório, este “assimilar” tem como ícone um desenho criado por meu amigo Hélio Rola em um cartão postal que me enviou nos anos 1980:

O ícone do Assimilar e seu autor, Helio Rola, em seu atelier em Fortaleza.
Então, um segundo aspecto de nosso trabalho é associar a “Biologia do Conhecer e da Linguagem” e “O assimilar”.
- O Inesperável
Um terceiro conceito é o inesperável, não simplesmente o que é inesperado. Fui despertado para a importância desta ideia na leitura de textos de Andrew Pickering, um sociólogo-filósofo da ciência do núcleo de Filosofia da Biologia da Universidade de Exeter, na Inglaterra (Pickering 2002; 2010). Certa vez, Maturana disse que “Nada é mais difícil de respeitar do que aquilo que, depois de ouvido, nos parece óbvio” . Pickering nos alerta para o inesperável, para o fato óbvio (depois de aceito) de que no viver de todas as criaturas pode-se ser surpreendido a qualquer momento por eventos inesperáveis. Isto não é geralmente levado em conta nas discussões científicas.
Pickering parte da história da cibernética britânica dos anos 1950, que seguiu um trajeto quase oposto à cibernética nos Estados Unidos, que conduziu à invenção dos computadores digitais, à robótica e à pesquisa sobre a inteligência artificial. Para os cientistas britânicos que Pickering descreve (Grey Walter, Ross Ashby, e depois Gordon Pask e Stafford Beer), melhor que ver o cérebro como um órgão “para pensar”, seria vê-lo como um órgão que nos permite agir para conservar nossa adaptação a nossa congruência com um meio que não cessa de mudar – e tem aspectos ,inesperáveis. Pickering fala de uma “ontologia não-moderna” (que escaa do dualismo cartesiano) e de um “idioma performático”, que valoriza mais aquilo que fazemos do que aquilo que pensamos; valoriza mais a prática da ciência nos laboratórios do que aquilo que os cientistas dizem que fazem.
Há semelhanças entre esta visão do papel do cérebro e nosso modo de ver a atividade imunológica. A atividade imunológica mantém o organismo adaptado a um meio molecular continuamente cambiante e é um dos meios pelo qual o organismo lida com o inesperável em termos moleculares. Não se trata de uma série de episódios adaptativos, mas sim da conservação de uma adaptação, que é ininterrupta. A atividade imunológica não é “adaptativa” mas, sim, é parte de uma fisiologia conservadora, na qual a adaptação é conservada em todos os momentos a despeito de encontros com o inesperável.
Invertido, o símbolo da autopoiese sugere algo na direção do inesperável. No símbolo original da autopoiese, o ser vivo parece apoiado pelas setas no meio em que vive; no símbolo invertido o ser vivo parece “pendurado” precariamente em seu meio. O “N” virtual do termo imuNontologia lembra as setas do ícone da autopoiese.
Em resumo, o ícone trifurcado da Figura abaixo ilustra três vertentes:
(a) “O Conhecer” (a “Biologia do Conhecer e da Linguagem” de Maturana)
(b) “O assimilar” a atividade imunológica, como a vemos; e
(c) “O inesperável”
As três vertentes